domingo, 12 de dezembro de 2010

Quando tudo parece perdido.

Ilustra: by Norman Rockwell

Passei a maior parte do verão sem grana. Os Ragan mudaram para uma casa em Hampton e não precisariam lá dos meus modestos serviços. Peguei minha bicicletinha e comecei a peregrinação por lojas, restaurantes e qualquer estabelecimento que aceitasse uma jornalista como vendedora, balconista, garçonete or wathever desse algum dolarzinho para pagar minhas contas.

Que a América está em crise, todo mundo sabe, mas a gente só acredita mesmo quando vê que não consegue emprego nem de lava-pratos depois de uma dura busca! Para aliviar a barra, passei a dar aula particular de violão para duas mocinhas em Kurnie. Saio das aulas e a busca recomeça, agora, com um violão nas costas. Quem não sabe da situação pensa que sou uma turista endinheirada que veio conhecer a diversidade musical em NY. O violão, definitivamente, era um charme desnecessário. As cidades circunvizinhas acabaram e precisei deixar a bike no canto e ir para a estação mais próxima pegar um onibus rumo a outra região um pouco mais distante. Morta de cansada, um peruano vê o violão e começa a “cantar” – “Olá, como estás? Tocas la guitarra? Donde es? Tienes novio?” – E haja perguntar... Cansei! Peguei o primeiro onibus que vi na frente!

- Passa na Oriente way, esquina com um 7eleven? – perguntei ao motorista.

- Sy, ma’m!

Aliviada, entrei rapidamente e sentei relaxada.

Passaram-se uns 30 minutos e o motorista me avisa para descer. Vi “Orient Way” escrito na placa da esquina, vi o 7eleven na outra, mas definitivamente não era aquele o lugar. Deveria ter pensado nisso antes. Assim como no Brasil toda cidade tem uma rua Presidente Vargas, aqui todas as cidades tem uma Orient Way, Palisade Avenue ou Jorge Washington... Desci com cara de paisagem e um Indiano atento logo percebe que eu estava perdida!

- Para onde você está indo?

(Naquela altura só queria voltar pra casa)

-Lyndhurst! Você sabe como faço para chegar lá?

- Ah.. Você pegou o ônibus errado... estamos muito longe de lá... e não sei de nenhum ônibus aqui que passe por lá... a não ser que você siga essa rua – “essa rua” era uma rodovia que meus olhos não conseguiam alcançar o fim. Ele continuou: - Você vai ter que andar bastante... – como se isso fosse de fato uma grande revelação que me ajudaria a perseverar.

- Então é melhor eu começar, falei já com pressa de andar mas com um sorrisinho amistoso.

Uns 15 passos já dados, o Indiano me chama: - Ms! Espera! Acho que posso levar você. Me segue!

Naquela hora eu era uma estrangeira boba, perdida e sem grana nem para um Taco! A rua estava deserta, a tarde estava caíndo e eu nunca tinha visto aquela pessoa na minha vida... Pensei “ou é um psicopata que vai me violentar e me matar daqui umas milhas por eu ser guitarrista – manchete de amanhã “BRAZILEIRA É ENCONTRADA MORTA COM OS DEDOS DECEPADOS”, e aí, de novo a guitarra não ajudou – ou ele é algum gurú indiano ávido para conquistar o objetivo final de sua salvação e cumprir seu karma fazendo boas ações – título para o diário de Poliana “O DIA EM QUE APRENDI TOCAR CITARA”, e aí a guitarra vai pesar menos.

Vi que ele apontava para direção oposta e logo pergunto: “para onde vamos?”

- Vamos à minha casa. Fica logo ali. Pego meu carro e levo você em casa.

Decidi arriscar meu corpinho exausto e minha guitarra amarela. Dinheiro, eu não tinha mesmo! Caminhamos cerca de 4 quadras num silêncio religioso. Ao chegar na frente de uma casa bem antiga, com a tintura cor de salmão já descascando, ele pára e diz: - é aqui! Vou lá dentro falar com minha esposa e já volto.

Eu parei na calçada e disse apavorada: - Ok! Eu espero aqui.

Alguns minutos depois, uma linda moça vestindo um sari lilás abre a porta e desce as escadas segurando firme a mão de uma menininha que não pára de falar e sorrir para mim, como se estivesse muitíssimo curiosa com a situação. Adoraria saber o que elas falavam, mas era um dialeto indiano totalmente distante de qualquer som da raíz romana. A moça do sari se aproxima de mim e diz sorrindo: “não se preocupe, vamos levar você em casa”. Ela abre rapidamente o carro, pede para que eu sente no banco da frente, ela assume a direção ao que o marido ajuda a menininha a sentar no banco traseiro, sentando-se também ele ao lado dela. Durante a viagem, a única pergunta que eles me fazem com toda a gentileza do mundo foi: “Para onde você quer que a gente leve você?”.

Eles me deixaram na porta da minha casa e eu não sabia sequer o que dizer, por que um simples “thank you” , ainda que seguido de “very much”, seria muito pouco. Quando li no adesivo colado no vidro do carro “God bless America”, sorri, olhei para os dois, e disse “God bless you! Ever!”, ao que eles abaixaram as faces como um sinal de retribuição.

Ele mesmo retirou minha guitarra do bagageiro e disse: “não esqueça sua guitarra!”. Quase eu pergunto “o senhor sabe tocar citara?”.

Entrei em casa tão feliz naquele dia por tudo o que aconteceu, pela vida daquele “guru” e sua família. E até por eu ter me perdido... Por que se não fosse isso eu jamais teria conhecido a família, que confesso, de tão complicado o nome, realmente não me lembro. Pelo cuidado de Deus na minha vida, que mais uma vez me provou que, quando tudo parece perdido, é aí que as coisas começam a ganhar maior sentido e a ficar muito mais (ainda que assustadoramente) interessantes!